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Adoção tardia: Quem cuida das nossas crianças?

Adoção tardia: Quem cuida das nossas crianças?

Por Mari F. Povoa

Criança, vem do latim “creãre” que significa “criar”, enquanto “ança” vem do sufixo latino “antia” que significa “excesso”, ou seja, podemos traduzir como “criar em excesso”. Essa tradução faz jus ao sentido do ser criança, pois para uma criança tudo é em excesso e tudo que acontece na infância fica marcado para o resto da nossa existência.

Ao longo da história as crianças nem sempre tiveram sua devida importância, foram abandonadas, órfãs, negligenciadas pelos mais diversos motivos, e quem poderia cuidar dessas crianças?

No Brasil, no período colonial as crianças foram colocadas nas mãos dos Jesuítas para serem evangelizadas e disciplinadas de acordo com as normas e costumes cristãos. Em 1755 quando os Jesuítas foram expulsos do Brasil pelo Marquês de Pombal, as crianças passaram a ser escravizadas e a maioria morria cedo devido as condições precárias nas quais viviam. Essa situação perdurou mesmo após a Lei do Ventre Livre em 1871. Ressaltando que até meados do século XIX era comum as crianças serem abandonadas sendo ou não escravas.

Em 1726 foi criada a primeira roda dos expostos na Bahia, um sistema de roda giratória na parede das Santas Casa de Misericórdia, onde as crianças eram colocadas de forma anônima. Elas eram alimentadas por amas-de-leite alugadas e algumas famílias aceitavam cuidar de algumas, mediante o pagamento de uma pensão. Esse cuidado era até os sete anos, a partir dessa idade, os juízes decidiam o seu destino que na maioria das vezes era para o trabalho.

Rizzini e Pilotti (2011) afirmam que:

Na Casa dos Expostos, a mortalidade era bastante elevada, tendo atingido a faixa dos 70% nos anos de 1852 e 1853 no Rio de Janeiro (Teixeira, 1888), devido à falta de condições adequadas de higiene, alimentação e cuidados em geral. Consta que a Roda do Rio de Janeiro funcionou até 1935 e a de São Paulo até 1948, apesar de terem sido abolidas formalmente em 1927.

            A roda dos expostos na verdade era apenas uma forma de se livrar das crianças que não haviam sido desejadas, das órfãs, daquelas que na época não deveriam ter nascido e ninguém queria assumir.

            No século XIX foram criados os asilos para órfãos, onde os meninos aprendiam educação industrial e as meninas educação doméstica, porém o que aparentemente seria bom e viável para as crianças, na verdade era uma forma de segregação do meio social. Foi a partir daqui que se passou a ter no Brasil a cultura de “assistência ao menor”.

            Em 1901, foi criado o Instituto de Proteção e Assistência à infância, no Rio de Janeiro, fundado pelo Dr. Moncorvo Filho, onde ofereciam assistência médica as crianças pobres e orientação para as mães.

            No final do século XIX e início do século XX com o aumento da criminalidade na infância, foram criados os reformatórios e as casas de correção, onde as crianças eram levadas para serem “reeducadas” por meio de punições. As crianças eram colocadas junto com adultos infratores mesmo sendo solicitado que ficassem separadas e foi então que por determinação do Código de Menores foram criadas as escolas de reformas e tribunais específicos para as crianças, mas somente com a criação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) em 13 de julho de 1990, Lei nº 8.069, as crianças e adolescentes passaram a ser reconhecidos como sujeitos de direitos em condição de desenvolvimento e passaram a ser prioridade absoluta do Estado.

            Ainda existe muito a ser feito, pois mesmo com toda a história, diante de tudo o que as crianças já passaram, muitas ainda sofrem, sendo privadas dos seus direitos básicos, mortas por seus genitores ou cuidadores, sofrem abusos psicológicos, físico e moral. Infelizmente as crianças ainda sofrem rejeições da sociedade e por isso são enviadas para os atuais abrigos, nos quais nem todos tem as condições adequadas e nem profissionais especializados para cuidar dessas crianças que chegam tão machucadas física e psicologicamente.

            As crianças vivem nos abrigos com a esperança de ter uma família, um lar, carinho, afeto, amor, mas, continuam acolhidas, enquanto existem muitas falácias, mas pouca ação, muitos pretendentes a adoção, mas poucos dispostos a realmente serem pais de uma criança não importando as condições ou idade.

            Se antigamente as crianças com sete anos eram consideradas capazes de “se virar sozinhas”, hoje as crianças que envelhecem nos abrigos ao completarem 18 anos, são colocadas “na rua” com um suporte temporário, mas esse jovem de 18 anos, foi uma criança que não teve uma base familiar, não teve carinho e não tem uma rede de apoio, é esse jovem de 18 anos que muitas vezes julgamos quando vemos se prostituindo, se drogando, roubando ou fazendo qualquer coisa absurda aos nossos olhos. Não se justifica tais ações e nem todas seguem esse caminho, mas uma coisa é fato, o caminho da solidão é sim seguido por todas elas e poderia ser evitado com políticas públicas que funcionassem e oferecessem assistência verdadeira a essas crianças, ou se aqueles que se encontram nas longas filas de adoção aguardando um bebê, abrissem seu coração para ter um filho um pouquinho mais velho e conceder uma família com base sólida a todas as crianças que hoje se encontram abrigadas.

            Adoção tardia, um sonho possível: Porque nunca é tarde para ser filho.

 

Bibliografia

Rizzini, I., & Pilotti, F. (2011). A arte de governar crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil (3ª ed.). São Paulo, SP, Brasil: Cortez.