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Adoção: Não nasceram de nós, mas nasceram para nós

Adoção: Não nasceram de nós, mas nasceram para nós

Por Mari F. Povoa

Não existe um momento certo para dizer: “Vou adotar”, mas, a partir de uma experiência pessoal, posso dizer: “Seu coração sabe qual é essa hora”.

Falamos muito sobre adoção e ao mesmo tempo entendemos pouco, surgem dúvidas, medos, preconceitos, incertezas, mas quando o amor que temos dentro do nosso coração transborda, sentimos a necessidade de compartilhar esse amor.

Transbordar significa “ter em excesso, estar repleto”, ou seja, meu coração já tem amor suficiente e agora eu preciso compartilhar, encher outro coração desse amor que já não cabe mais em mim. E isso pode acontecer em diversos momentos da nossa vida, só precisamos ter a sensibilidade e a docilidade de ouvir a voz do nosso coração.

No ano de 2008, eu fazia faculdade, trabalhava e casar, ter filhos não estava nos meus planos. Em 2009, iniciei um relacionamento e ao longo dos dias e meses, das conversas e planos de um futuro, começou a existir a conversa sobre um possível casamento. Em 2010 os planos para o casamento começaram a tomar forma, foi um ano corrido, planejar um casamento não é algo fácil, mas foi isso que fizemos no decorrer de 2010.

Em 2011, nos casamos, como todo recém-casados, viajamos muito, saímos muito, estávamos aproveitando a vida a dois, mas começou a surgir o desejo de deixar de ser um casal e ser uma família. Passado um tempo, resolvemos nos preparar para esse momento. Consultamos um médico e iniciamos os preparativos para começar a nossa família, mas não sabíamos e nem imaginávamos que nossa família, já estava formada, só faltava a gente se encontrar, nossa família já estava sendo formada lá atrás em 2008, quando eu nem ao menos pensava em casar e quem dirá em ter filhos.

O tempo passou e descobrimos que de forma natural não seria possível, foi um susto. Levamos um tempo para processar esse fato novo que naquele momento parecia mudar tudo, era como se o nosso sonho de ter uma família tivesse sido arrancado de dentro de nós sem que pudéssemos fazer nada para impedir.

Foi então que cometemos o maior erro da nossa vida, mas ao mesmo tempo um erro que nos colocou no caminho certo. Algumas pessoas próximas ao saberem da nossa condição disseram: “Porque vocês não adotam? ”, “Conheço uma mulher que quer doar o filho, é só ir e pegar”. Ah, nossa inexperiência no assunto nos fez acreditar que isso seria possível, saímos ao encontro dessa mulher na maternidade e pegamos aquela criança frágil em nossos braços, linda! Aparentemente estava tudo certo, mas algo deu errado e naquele mesmo dia, no mesmo instante, aquela criança foi retirada dos meus braços e levada pela genitora que desistiu de doar. E por mais que isso tenha machucado, posso dizer: Essa nossa ingenuidade, nos colocou no caminho correto.

Após esse dia, decidimos: Vamos adotar! Mas vamos fazer do jeito certo, não queríamos passar por aquela dor novamente. Na semana seguinte, após se recuperar da dor da "perda", começamos a nos informar melhor. Foram diversas idas ao fórum, psicólogos, psiquiatra, preenchemos diversas papeladas, tivemos visitas em casa das assistentes sociais do judiciário e aos poucos começamos a entender de fato o que era a adoção e como realmente funcionava.

Durante o processo de adoção é possível traçar um perfil da criança que desejamos ter como filho e é um momento muito delicado e que necessita de muito diálogo entre o casal e muita maturidade, no nosso caso, nosso perfil era crianças de 0 a 3 anos com doenças tratáveis e apenas uma. Nossa ideia inicial era que necessitávamos ter um bebê, no qual hoje entendemos na época, que era uma forma que achamos de substituir aquela “perda” que tivemos lá atrás.

Estava tudo certinho, mas ainda faltava o curso de adoção, no qual é feito pelo judiciário e a vara da infância uma vez por ano e esse curso mudou nossa visão como pais, ali entendemos que o nosso desejo de ser pai e mãe ia muito além da idade do nosso filho e entendemos que poderíamos ter um filho um pouco mais velho, nos abrimos a adoção tardia! No dia desse curso, foi comentado que havia no abrigo crianças na faixa de oito anos que estavam aptas para adoção, só estavam à espera de uma família. Nosso coração que estava transbordando de amor, nos avisou, vai em frente.

Ao final do curso combinamos com as assistentes sociais nossa intenção de mudar o perfil para crianças de 0 a 10 anos e elas nos convidaram a fazer uma visita ao abrigo para conhecer as crianças que já estavam disponíveis. Nesse momento muitas expectativas foram criadas em nossa cabeça: Como vai ser esse encontro? Como vou saber qual criança será meu filho?

No dia marcado estávamos lá no abrigo, perdidos em meio a tantas crianças, era a festa de aniversariantes do mês. Com discrição a assistente social que nos acompanhou foi apontando as crianças que estavam aptas para adoção, confesso que me senti exatamente como o casal do filme: “De Repente uma família”, no qual recomendo para quem quer entrar nesse mundo da adoção. Enfim, não rolou aquela química, não rolou aquele “tcham”. Mas estávamos ali, então resolvemos brincar com uma menina de aproximadamente cinco aninhos, ela falava muito, logo começamos a brincar com outro menino de seis anos, ele não falava, era tímido, ficou por perto o tempo todo, mas sem falar nada, apenas estava junto. Logo chegou o irmão de quatro anos, um furacão, falava por todas as crianças do abrigo e com uma energia ímpar. A assistente social logo tratou de informar que eles não estavam disponíveis para adoção, pois não haviam sido destituídos do poder familiar. Então chegou o momento de ir embora, nenhuma criança havia nos encantando, digamos assim, isso nos frustrou, até que no momento de sair do abrigo resolvemos dar “tchau” para aqueles dois irmãos o quietinho e o falante e para nossa surpresa, o quietinho agarrou meu esposo e começou a dizer: “Tio, me tira daqui, fala com a juíza e me leva com você”. Sim, ali o meu coração transbordou de amor, mas com direção certa! Foram quase quinze minutos para que a psicóloga conseguisse tirar ele do colo do meu esposo, e eu não podia prometer absolutamente nada. Mas foi ali que entendemos: “Seremos pais de dois meninos, eles nos escolheram”. Quando saímos do abrigo não houve conversa, nosso coração já sabia que eles eram os filhos que estavam destinados a formar nossa família.

A partir desse momento foi necessário mudar a nossa papelada para aceitar irmãos, ampliar a idade do perfil e aguardar. Eles estavam abrigados há dois anos e no próximo mês seria a última audiência para a destituição do poder familiar. O tempo não passava, as horas eram eternas, nós tínhamos dentro de nós a certeza de que era eles, mas precisávamos esperar e essa espera é angustiante. Posso dizer que naquele dia no abrigo começamos a sentir as contrações, mas não foram horas sentido essas contrações e sim meses.

Três meses depois a assistente social ligou e disse a melhor coisa que eu poderia ouvir: “Eles foram destituídos e a juíza autorizou vocês passarem duas horas com os dois. Podem vir buscar”. Não sabíamos o que fazer, duas horas passaram voando e ao mesmo tempo era uma eternidade, era um misto de alegria e tristeza ao mesmo tempo. Alegria por estar com eles e tristeza pois era só duas horinhas, como se conhece duas crianças em apenas duas horas? Mas cumprimos tudo certinho, devolvemos eles e nosso coração ficou vazio, a ansiedade aumentava, até que no dia 05/12/2014 as 16hs, após pouco mais de três meses de “contração” nossos filhos nasceram e tivemos a honra, o prazer, a satisfação, a alegria de levá-los para nossa casa.

Foi então que percebi que minha família percorreu um longo caminho para se reunir, em 2008 quando eu nem pensava em casar, meu filho mais velho estava nascendo. Em 2010 quando eu só pensava nos preparativos do casamento, meu filho mais novo estava nascendo. Em 2011/2012 quando sofríamos por não conseguir engravidar, nossos filhos estavam indo para o abrigo. Em 2014, nossos caminhos se cruzaram e desde então nunca mais se dividiram. Cada um de nós trilhou o seu próprio caminho, até sermos colocados na mesma estrada da vida para caminhar juntos.

Nossos filhos não nasceram de nós, mas com certeza nasceram para nós. E hoje nosso coração continua transbordando de amor, porém hoje temos onde derramar esse amor, existem dentro de casa dois corações que podem receber esse amor e graças a abertura do nosso coração para a adoção tardia.

Filho mais velho, também pode ser filho. Se abra para a adoção tardia, se abra para ter um filho não importa a idade, ter um filho que trilhou todo um caminho para chegar até você é a forma mais sublime de amar!